A África e os Africanos na Formação do Mundo Atlântico. John Thornton.





Thornton, assim como Paul Lovejoy e Brion Davis, é uma das maiores autoridades na pesquisa empírica sobre a sociedade do continente africano e suas articulações econômicas. É um ótimo material para contraposição da tese sobre a culpabilidade europeia pelo subdesenvolvimento da África. 

Nesse estudo, destaca-se o início das grandes navegações europeias no século XV, onde se estabeleceu um divisor de águas na história da humanidade. Os marinheiros também construíram rotas oceânicas diretas com as áreas que mantinham contato com a Europa. Além de trajetos mais caros e instáveis feitos por terra, pela África Ocidental e pela Ásia Oriental, os navios passaram a alcançar locais que antes não mantinham contato recíproco com o exterior. A maioria dos historiadores, ao dialogar sobre esse período, deu grande destaque às Américas ao ressaltar o desbravamento ocasionado pelas grandes navegações. Entretanto, o continente americano não foi o único a fazer contato com o meio exterior, pois quase toda a região centro-oeste do continente africano, região que hoje abarca a República dos Camarões, também não mantinha contato com o mundo externo. Além de fortalecer relações entre várias regiões do Velho Mundo, a navegação europeia fortaleceu a conexão entre o Velho Mundo e os dois novos mundos, neste caso, as Américas e centro-oeste da África.

O autor Pierre Chaunu afirmou que a consequência mais importante das navegações europeias foi o fim do isolamento sociológico de algumas regiões. Essa maior interação social entre as regiões que agora mantinham contato ocasionava um progressivo fluxo de ideias. Chaunu denomina esse fenômeno como "desencrave". O alto fluxo de ideias e maior interação social levou consequentemente ao desenvolvimento e unificação econômica de todo o ambiente do Atlântico. 
Paralelo ao desenvolvimento econômico, o rompimento do isolamento das regiões do Atlântico também ocasionaram um alto teor migratório entre as populações dessas regiões. Não somente europeus se mudaram para aos territórios do Atlântico e das Américas, como também milhões de africanos atravessaram o Atlântico e as ilhas do Caribe e as Américas, se estabelecendo como população dominante em algumas regiões. No Atlântico, o desencrave foi muito mais significativo do que em qualquer outra região do mundo. Não somente tornou assídua a comunicação entre as populações, como reconfigurou todo um conjunto de sociedades, originando um "Novo Mundo". O mais importante está na total participação da África nessa mudança. Em 1650, os africanos eram a maioria dos colonos no mundo Atlântico contemporâneo. 

É possível concluir que a influência da Europa no comércio de escravos, apesar de expressiva, não significou nenhuma revolução no primeiro século e meio ao ser constatado que os africanos comercializavam seus próprios escravos. Além disso, as tecnologias militares iniciais dos europeus não eram determinantes nas conquistas dos exércitos africanos. E possível ainda argumentar que os europeus coagiram os africanos a exceder seu fornecimento de escravos em um período posterior, visto que a tecnologia militar fora aperfeiçoada e exerciam papel mais importante. Uma evidência relevante foi o aumento considerável das exportações de escravos depois de 1650 devido à explosão do crescimento agrícola sobre controle da Europa do norte do Caribe e com a migração de muitos europeus a costa africana.

Os recém-chegados trouxeram consigo armas de tecnologia avançada e maiores conhecimentos industriais do que Portugal. Tais eventos indicaram a chegada de um novo e provável grupo desagregador de mercadores que forçou os africanos a expandir o comércio contra sua vontade. Thornton sugere que as mudanças foram muito mais quantitativas do que qualitativas e que a crescente demanda e o aumento dos preços podem ter persuadido os africanos a participar com seus escravos, porém isso não os obrigou a se integrar contra a sua vontade. Por volta do século XVII as exportações de escravos aumentaram tanto que ocasionaram um impacto demográfico nas áreas nas quais os escravos foram retirados. Os impactos demográficos negativos, apesar de evidentes no início do período em algumas áreas, se intensificaram e se espalharam por toda a África atlântica. Ao final do século XVIII, a maior parte do continente estava enfraquecida demograficamente. 

Os governos africanos continuaram a empreender guerras conforme novas armas e novas táticas eram adquiridas através dos europeus. Dessa forma, no final Senegâmbia e aqueles que buscavam o poder compraram armas para reivindicar seus direitos. Mas seria incorreto afirmar, segundo Thornton, que os europeus persuadiram os pretendes ao poder a conquistar escravos, mesmo que a possibilidade de conquista lhes fosse aprazível. Logo, é possível concluir que a participação da África no comércio de escravos foi voluntária e sob controle dos líderes estatais. Não somente a níveis superficiais resumidos a trocas e vendas, mas também em níveis mais complexos. Os europeus não possuíam meios superiores tanto econômicos como militares para impedir os líderes africanos de comercializar seus escravos, visto que as armas europeias também pertenciam aos africanos e a venda dos escravos era vantajosa para os europeus. 
do século XVII e no século XVIII, guerras civis conturbaram os estados da

O desenvolvimento da economia doméstica e fatores institucionais dispuseram os africanos a manter o comércio de larga escala e a possessão de escravos muito antes da chegada dos europeus ao litoral do continente. O aumento das guerras e a descentralização política de algumas regiões podem ter contribuído com a expansão progressiva do comércio nessas regiões, porém não é possível afirmar que a mudança na demanda de escravos possa ter causado instabilidades políticas, visto as evidências apontam para causas internas. Expostos os interesses comerciais dos estados africanos e o mercado de escravos nas mãos principalmente de proprietários privados, é natural que os africanos tenham sido capazes de responder às demandas de escravos, uma vez que os lucros lhes despertassem o interesse.



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